As sessões da Câmara de Magé (RJ) reúnem mais seguranças do que vereadores. Nos gabinetes, plenário e galerias, sujeitos parrudos de óculos escuros e cara de poucos amigos dominam todos os espaços. É possível contar, no estacionamento da Casa, no bairro do Tênis Clube, mais de dez carros blindados, com vidros reforçados, dirigidos pelos tais tipos mal-encarados, que saem queimando pneus com os automóveis e olhando para todos os lados, em um evidente clima de tensão. Não é à toa a preocupação.
A cidade, terra de Mané Garrincha, ostenta o nada honroso título de campeã brasileira da violência política, com nove políticos e parentes deles assassinados desde 1997. No caso mais chocante, a então vice-prefeita pelo PSDB, Lídia Menezes, foi torturada e morta com três tiros, em junho de 2002. O carro dela chegou a ser incendiado. Na mesma cidade foram assassinados a tiros por pistoleiros o vereador Alexândre Alcântara (PSC), a mãe e o motorista. O então presidente da Câmara, Genivaldo Ferreira Nogueira, o Batata, respondeu a júri popular como suposto mandante em 1998.
Em abril deste ano, foi a vez do vereador Antonio Carlos Pereira (PMDB), o Tunico Pescador, ser executado. Em 2006, morreu Carlos Alberto do Carmo Souto, o Chuveirinho. No seu enterro, o então vereador Dejair Côrrea (PDT), ex-policial que só andava armado, disse que os colegas se questionavam quem seria a próxima vítima. A resposta veio um ano depois: foi ele próprio, morto com tiros nas costas, sem poder usar a pistola prateada que sempre levava na cintura.
Dominada durante duas décadas pela família Cozzolino, que teve uma prefeita, Núbia Cozzolino, afastada em 2010, sob a acusação de corrupção e dois secretários presos – um deles, Charles, irmão da prefeita cassada – a cidade tem, pela primeira vez, um prefeito, Nestor Vidal (PMDB), que não é ligado ao poderoso clã, acusado de envolvimento com a violência.
Líder isolada no sinistro ranking, Magé, cidade de 244 mil habitantes a 50 quilômetros da capital fluminense é seguida de perto pelas paulistas Guarujá, no litoral, e Jandira, na Grande São Paulo, ambas com cinco homicídios de políticos. Nos casos mais recentes, morreram, em março deste ano, o ex-secretário municipal de Governo de Guarujá, Ricardo Augusto Joaquim de Oliveira, do Partido Pátria Livre (PPL), executado por dois motoqueiros na frente de dezenas de testemunhas, em uma reunião partidária. Em dezembro de 2010, Jandira registrou o assassinato, também praticado por dois motoqueiros, do prefeito Walderi Braz Paschoalin (PDT), pouco antes de dar entrevista a uma rádio local.
Com base em notícias de imprensa e processos judiciais, CartaCapital constatou a morte violenta de 72 políticos – quase todos de nível municipal como prefeitos, secretários e vereadores – e seis parentes entre 1983 e 2012. De acordo com os números, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí e Alagoas foram os mais letais. No mais rico estado da federação, foram mortos 21 gestores públicos ante 14 no Rio, boa parte na violenta região da Baixada Fluminense. No Piauí, o assassinato de oito prefeitos em dez anos levou à criação da Associação das Viúvas de Ex-prefeitos Assassinados, que pressiona as autoridades pela resolução dos crimes. Alagoas também registrou oito assassinatos. Os níveis de resolução dos crimes são, em geral, muito baixos e quase sempre param nos assassinos, raramente chegando aos mandantes. Em muitos casos, os principais suspeitos são outros políticos rivais, suplentes e empresários com interesse em áreas sensíveis (e lucrativas) da administração pública como coleta de lixo, merenda e segurança.
Os crimes, típicos de execução, ostentam, sempre, um modus operandi comum, com dois homens em motos potentes, rostos protegido por capacetes escuros, o carona armado, e disparos em áreas vitais como cabeça e peito. Há mortos de vários partidos, com predominância do PT, PSDB, PDT e PV. A razão para este fenômeno, aponta a vice-coordenadora do Núcleo de Estudo da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), Nancy Cardia, é uma mistura entre processos violentos de ocupação de espaços políticos e certeza de impunidade. “Os números são chocantes e os crimes ocorrem em regiões ricas e pobres. Até a ocupação do Velho Oeste americano foi minimante mais organizada e menos violenta do que a política brasileira”, diz.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziukoski, ex-prefeito de Mariana Pimentel (RS), considera que os prefeitos são totalmente desprotegidos da violência política, ao contrário de governadores e outras autoridades, que contam com esquemas oficiais de segurança. “O poder dos chefes de Executivo municipais é muito grande, assim como os interesses que podem ser contrariados. Os conflitos se agudizam na esfera municipal e quando o prefeito contraria algum interesse poderoso, pode ter certeza de que haverá represálias.”
Para o cientista político e professor do Insper, Humberto Dantas, a situação demonstra que, nem de longe, a democracia está consolidada no Brasil. “A violência expõe a fraqueza expressiva das instituições formais. Crer na força, explorar aspectos culturais associados à lei violenta e forjada individualmente são características de uma sociedade que não compreende o verdadeiro sentido do contrato social”, argumenta. O professor José Cláudio Alves, pro-reitor da Universidade Federal Rural do Rio e autor do livro Dos barões ao extermino – uma história da violência política na Baixada Fluminense, tem opinião semelhante. “Na região, há uma lógica da violência que começa com o então deputado Tenório Cavalcanti, nos anos 1950, mas é institucionalizada pela ditadura militar, que constrói, ao longo do tempo, grupos formados por PMs, policiais civis e guardas municipais, voltados à execução sumária dos inimigos de seus contratadores. Nos tempos atuais, esse pessoal exerce, com extrema violência, o controle político de áreas da Baixada, assim como negocia o tráfico de drogas, de armas e roubo de cargas”, diz. Alves considera as milícias uma derivação moderna destes antigos grupos armados.
Promotor de Justiça e membro do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público paulista, Thomaz Ramadan aponta a impunidade e os altos valores em disputa como motores dos crimes políticos no Brasil. “Esse tipo de crime continua ocorrendo em parte porque a punição para o chamado homicídio simples é ridícula. Como não é considerado crime hediondo, a pessoa recebe uma pena de oito anos de prisão, mas pode ser solta ao cumprir dois quintos da sentença. Assim, pode ficar apenas um ano na cadeia, enquanto se pagam altas somas para eliminar adversários políticos”, compara.
A estratégia para combater a violência política centra-se, para os pesquisadores, na garantia da punição de executores e mandantes e no fim da tolerância com os crimes cometidos por políticos no mandato. “Temos que lutar para garantir a punição dos culpados, de forma que a violência política, em algum momento, vire arqueologia entre nós”, opina Nancy Cardia. Dantas defende mudanças profundas no Judiciário, que vê como o pior dos três poderes. “O processo das eleições no Brasil pouco tem de pacífico e é fundamental uma Justiça atuante para coibir isso”. A Associação Nacional de Prefeitos e Vices do Brasil (ANPV) sugere a criação de estruturas de segurança oficial para os prefeitos, a exemplo da que já existe para os governadores, e cessão de moradia aos chefes de executivos municipais durante o mandato.
Um rastro de sangue e pólvora
Setembro/2012 – Isaías Vieira, secretário de Obras de Santo Antonio do Leverger (MT)
agosto/2012 – Marcos Francisco Camargo, ex-secretário municipal de Limeira
abril/2012 – Antonio Carlos Pereira, vereador (PMDB) de Magé (RJ)
março/2012 – Ricardo Augusto Joaquim de Oliveira, ex-secretário de Guarujá
agosto/2011 – Rodrigo da Cruz França, vereador (PV) de Franco da Rocha (SP)
maio/2010 – João Santana de Moura Vilar, o Tucla, vereador de Cubatão (SP)
dezembro/2010 -Walderi Braz Paschoalin, prefeito (PDT) de Jandira (SP)
dezembro/2010 – Genival Barbosa da Silva, vereador (PSC) de Roteiro (AL)
fevereiro/2010 – Eliseu Santos, ex-secretário de Saúde de Porto Alegre (RS)
março/2010 – Alis Rahal Maluf, ex-vereador de Cubatão (SP)
outubro/2010 – Evaldo José Nalin, vereador (PSDB) de Analândia (SP)
setembro/2010 – Divaldo Willian Rinco, prefeito (PSDB) de Alto Paraíso (GO)
setembro/2010 – Rubens Domingos, ex-vereador de Franco da Rocha (SP)
julho/2010 – Antonio Ivo Aureliano, suplente de vereador de Jandira (SP)
julho/2010 – Waldomiro Moreira de Oliveira, ex-vereador (PDT) de Jandira (SP)
novembro/2010 – Luiz Carlos Romazzini, vereador (PT) de Guarujá (SP)
julho/2009 – Márcio César Lopes Carvalho, prefeito (PMDB) de Barbosa Ferraz (PR)
novembro/2008 – Carlos Aparecido da Silva, ex-vereador de Franco da Rocha (SP)
novembro/2008 – Orney dos Santos Pereira, candidato a vereador de Magé (RJ)
outubro/2008 – Willians Andrade Silva, vereador (PP) de Guarujá (SP)
julho/2008 – Vendelino Royer, prefeito (PMDB) de Itaipulândia (PR)
outubro/2007 – José Geraldo Siqueira, vereador de PT do B de São Luiz do Quitunde (AL)
outubro/2007 – Fernando Aldo Gomes, vereador (PPS) de Delmiro Gouveia (AL)
setembro/2007 – José Élio Nascimento, ex-vereador de Pilar(AL)
julho/2007 – João Ferreira da Silva, ex-vereador de Satuba (AL)
maio/2007 – Gilberto Andrade, prefeito de Aureliano Leal (BA)
fevereiro/2007 – Dejair Côrrea, vereador (PDT) de Magé (RJ)
agosto/2006 – Carlos Alberto do Carmo Souto, vereador (PSC) de Magé (RJ)
julho/2006- Eduardo dos Santos, prefeito de Roteiro (AL)
julho/2004 – João Monteiro de Castro, vereador (DEM) do Rio de Janeiro
janeiro/2003 – Joaldo Barbosa, deputado estadual (PL) de Sergipe
janeiro/2003 – Antonio Valdeci de Paiva, deputado federal (PSL) do Rio de Janeiro
janeiro/2002 – Celso Daniel, prefeito (PT) de Santo André (SP)
junho/2002- Lídia Menezes, vice-prefeita (PSDB) de Magé (RJ)
novembro/2001 – Ernesto Pereira, vereador (PTN) de Guarujá (SP)
setembro/2001 – Carlos Alberto Santos de Oliveira, vereador (PV) de Boquim (SE)
setembro/2001 – Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, prefeito de Campinas (SP)
março/2001 – Mário Soares de Almeida, vereador de Jandira (SP)
março/2001 – Natur de Assis Filho, ex-presidente do PV da Bahia
outubro/2000 – Manuel de Souza Neto, coordenador de campanha do PT de Suzano (SP)
outubro/2000 – José Ribamar de Souza Gondim, presidente do PT de Cururipe (BA)
outubro/1999 – Dorcelina Folador, prefeita (PT) de Mundo Novo (MS)
outubro/1999 – Olavo Pires, senador de Rondônia
março/1999 – José Miguel Dantas, prefeito de Batalha (AL)
fevereiro/1999 – Jairo Antonio Gebrin, secretário de Esporte de Arujá (SP)
janeiro/1999 – João Batista Filho, prefeito de Capitão de Campos (PI)
dezembro/1998 – Ceci Cunha (PSDB), deputada federal por Alagoas
julho/1998 – Ariomar Oliveira Rocha, vereador (PT) de Jaguarari (BA)
junho/1998 – Cícero Lucas de La Peña, presidente do PT de Xexéu (PE)
junho/1998 – Walter Arruda, vereador de Magé (RJ)
junho/1998 – Sérgio Costa Barros, vereador de São João do Meriti (RJ)
maio/1998 – Pedro Carlos dos Santos, vereador (PT) de Candeias (BA)
março/1998 – Alexandra Alcântara, vereador de Magé (RJ)
setembro/1997 – Fulgêncio Manoel da Silva, presidente do PT de Santa Maria da Boa Vista (PE)
agosto/1997 – Geraldo Ângelo, vereador de Magé (RJ)
junho/1997 – Manuel Rezende da Silva, secretário de Finanças de Guarulhos (SP)
maio/1997 – Raimundo Nonato Marques, prefeito de Luzilândia (PI)
maio/1997 – Orlando Falcão Filho, vereador do Guarujá (SP)
março/1997 – Abílio Alapenha Filho, secretário de Obras (PT) de Angra dos Reis (RJ)
fevereiro/1997 – Ivan Chaves Teixeira, presidente do PT de Abre Campo (MG)
dezembro/1996 – Manoel Portela de Carvalho, prefeito de Aroazes (PI)
abril/1996 – César Augusto Leal Pinheiro, prefeito de Picos (PI)
abril/1995 – Jorge Júlio da Costa Santos, o Joca, prefeito de Belford Roxo (RJ)
agosto/1993 – Ary Vieira Martins, subsecretário de Serviços Públicos de Duque de Caxias (RJ)
dezembro/1993 – Renato Moreira, vereador de Imperatriz (MA)
agosto/1992 – Wilson Pio Barbosa, prefeito de São Félix (PI)
maio/1992 – Edmundo Pinto, governador do Acre
abril/1992 – Joaquim Fonseca Santos, prefeito de Redenção do Gurguéia (PI)
janeiro/1991 – Abeilard Goulart, prefeito de Itaguaí (RJ)
julho/1990 – José Geraldo Pontes Linhares, prefeito de José de Freitas (PI)
abril/1989 – Francisco Luis Macedo, prefeito de Padre Marcos (PI)
abril/1983 – Dorvalino Alves Teixeira, prefeito de Jandira (SP) pelo extinto PDS
Obs: No período, morreram 72 políticos e seis parentes, que os acompanhavam no momento dos atentados. As fontes de pesquisa são notícias da imprensa nacional e processos judiciais.
Fonte: Paraiba.com.br